segunda-feira, 1 de março de 2010

Viver no mar: um pequeno passo para a liberdade

Já imaginou viver em alto mar, numa sociedade formada de raiz, sem leis impostas pelo Governo que o leva ao desespero? Eles já. Nas últimas décadas, multiplicaram-se projectos de aproveitamento do espaço marítimo para uma vida em liberdade. O tvi24.pt partiu à procura de novos Mundos no Mundo.

O Sealand surge como ponto de partida nesta aventura. Um projecto maltrapilho, em alicerces já erguidos pelo homem e reinventados por um grupo que chegou a reclamar o estado de Nação. Surgiu em 1967 e garantiu a sua independência durante mais de quatro décadas. Até hoje. Tornou-se uma referência, por isso mesmo.

Aproveitando a ausência de leis rígidas em Águas Internacionais, grupos de pessoas tentam e tentaram criar plataformas habitacionais para alcançar a liberdade. Gente que já tentou comprar terras para viver em comunidade, sem conseguir fugir às amarras das leis urbanas. Excêntricos, milionários, visionários, há de tudo. E vieram para ficar.

Uma lei com espaço por explorar

Ao longo das últimas décadas, os países alargaram a sua soberania com um conceito de mar territorial (22 quilómetros desde a costa) e outro de zona de controlo económico (370 quilómetros). Decorem o primeiro número.

Lembram-se da Women on Waves? A organização sem fins lucrativos fixou-se em águas fora do controlo territorial de Portugal para informar e proceder a abortos legais. Nesse espaço, uma embarcação deve obedecer às leis do país que apresente na bandeira hasteada. Em suma, é esta encruzilhada legal que os futuristas da vida no mar pretendem aproveitar, numa primeira fase.

Projectos falhados e destruídos

A ideia não é nova. O Sealand, como foi explicado, surge como única referência sustentável no passado recente. Desde sempre, aliás. Um grupo ocupou uma plataforma britânica abandonada após a II Guerra Mundial, fora de águas territoriais. Inglaterra tentou recuperar o espaço mas desistiu por ordem judicial. O seu controlo não abrangia aquelas águas. Sealand perdurou e reivindica o estatuto de estado soberano. Não reconhecido, claro está.

Esta bandeira de liberdade inspirou centenas de pessoas e prepare-se para ser confrontado com várias tentativas num futuro próximo. O Instituto Seasteading é um projecto a médio prazo que está a despertar muito interesse da comunidade internacional. Sobretudo desde que Peter Thiel fez um investimento. Este norte-americano, inventor do sistema Paypal, foi o primeiro a acreditar no potencial do Facebook, por exemplo. Com o sucesso conhecido.

Rosas com espinhos

Por cada ideia concretizável, contabilizam-se dezenas de utopias. O Freedom Ship, por exemplo, é um projecto ambicioso. Um navio com 1400 metros de comprimento, 230 metros de largura e 110 metros de altura, população residente e uma autonomia para estar no mar sem depender de terceiros. Ainda não saiu do papel.

Nesta panóplia de projectos futuristas, surgem relatos da ganância de homens e poderes. A Ilha das Rosas merece uma menção honrosa. Nos anos 60, o engenheiro Giorgio Rosa montou uma plataforma com 400 metros quadrados, a 11 quilómetros da costa de Rimini, Itália. Tinha um restaurante, uma loja e um banco, por exemplo. Em 1968, declarou independência, mas foi rapidamente invadida pelo governo transalpino, por alegada fuga aos impostos, quando já estava atolada de turistas. Seria destruída dias depois. Preocupante.



Viver no mar: Sealand, o projecto viável do passado

Na viagem pelos projectos de vida em alto mar, Sealand surge como referência incontornável. Apresentou-se ao Mundo em 1967 e subsiste até aos dias de hoje. Tem um Príncipe e demais herdeiros. Moeda, selos, hino e constituição. É um país. Ou seria, se alguém o reconhecesse como tal.

O Reino Unido abandonou uma base naval após a II Guerra Mundial, a 11 quilómetros da costa. O excêntrico Roy Bates aproveitou. Ocupou o espaço em 1967 para projectar uma rádio pirata e ficou. Foi ficando até hoje. Tanto que Sealand, aliás Principado de Sealand, é apresentado pelos próprios como um Estado independente de facto. Mais à frente, perceberão porquê.

O governo britânico ainda tentou recuperar o local, mas encalhou numa ordem judicial, considerando que o espaço estava fora das suas águas territoriais. Dez anos mais tarde, um empresário alemão invadiu Sealand e reclamou a propriedade, mas Roy Bates, entretanto denominado Príncipe Bates, recuperou o espaço e fez reféns, obrigando um diplomata holandês a viajar até à base naval (só acessível de barco ou helicópreto) para negociar a libertação dos prisioneiros.

Sealand perdurou como micronação, mesmo não passando de uma plataforma devoluta com um edifício e uma média de 20 habitantes. Reclama importância pelo conceito, pela independência conquistada no mar, servindo de exemplo para futuros projectos.

O tvi24.iol.pt entrevistou o Príncipe Michael Bates, filho de Roy e actual responsável pelo espaço, devastado em 2006 por um enorme incêndio. Aqui fica o testemunho de Bates:

Continuam a viver pessoas em Sealand de forma permanente?
«Sim, vivem pessoas na fortaleza, de forma permanente, há 43 anos.»

Em 2007, decidiu colocar o Sealand à venda. Há interessados?
«Sim, têm surgido várias propostas interessantes. Da Rússia, da América do Sul, do Golfo Pérsico e do conhecido site Pirate Bay.»

Os seus filhos estão dispostos a manter o legado de Sealand?
«Sim, eles continuar a estar envolvidos, por vontade própria.»

Você falou sobre a possibilidade de criar uma selecção nacional de futebol. Como está esse projecto?
«Óptimo. Neste momento, estamos à procura de um patrocinador. Depois, começaremos a jogar. Será algo como um David contra os Golias.»

Como estão as vossas relações com o governo do Reino Unido?
«O Reino Unido utiliza uma táctica e sempre: ignorar coisas que não representem uma ameaça directa. Eles ignoram Sealand e Sealand ignora-os, apesar de nem sempre ser fácil, porque basta olhar pela janela para vê-los. Sem brincadeiras, nunca prejudicaríamos os interesses do Reino Unidos e temos muito orgulho na nossa dupla nacionalidade.»



Viver no mar: Seasteading, o projecto viável do futuro

A ideia de uma comunidade instalada no mar está geralmente associada ao libertarismo, filosofia política que defende a liberdade absoluta para os homens, algo como a anarquia com preocupações de livre concorrência dos mercados. O Instituto Seasteading, o projecto mais viável para o futuro, não foge a essa tendência.

O Seasteading marca pontos entre os rivais por dois motivos: aposta na pequena escala, não caindo na tentação de utopias incomportáveis do ponto de vista financeiro e tecnológico, e despertou a atenção de um bilionário com especial apetência para desenterrar minas de ouro.

Peter Thiel conquistou o mundo quando lançou o sistema Paypal e investiu agora 500 mil dólares no Seasteading Institute. Exactamente o mesmo montante que aplicou num pequeno projecto em 2004: o Facebook. Pois.

O tvi24.iol.pt entrevistou Naomi Most, Gestora de Desenvolvimento do projecto Seasteading, procurando compilar informações sobre um plano de âmbito global que aposta na troca de experiências e interactividade.

Em suma, os promotores desta iniciativa querem criar pequenas plataformas auto-suficientes, algo como um navio de cruzeiro com bóias semi-fixas. Cada plataforma seria entregue a um grupo com um projecto de sustentabilidade económica e política. A médio prazo, as plataformas cresceriam em número de pessoas e independência.

Parece utópico? Claro. Tanto quanto parece uma inevitabilidade. Naomi Most, Gestora de Desenvolvimento do Seasteading, não tem dúvidas.

Em termos gerais, qual a diferença entre o Seasteading e os projectos que falharam no passado?

«Existem diferenças significativas entre o nosso primeiro projecto de engenharia, o Poseidon, e outros. A diferença principal está nos conceitos. Os Seasteads que usem a nossa filosofia devem ser modulares, confortáveis e resistentes a tempestades. Os módulos são importantes por questões económicas e políticas. Um módulo deve ser independente e ter igualmente capacidade para ligar-se a outros módulos. Também estamos preocupados como os custos. Enquanto os outros apostam em milagres tecnológicos, nós preferimos a tecnologia existente.

Pode dizer-nos uma data realista para a inauguração do primeiro projecto do Seasteading?

«Escolhemos 2015 como o ano de lançamento do Projecto Poseidon (ndr. uma estância subaquática), o nosso primeiro módulo independente e auto-suficiente do ponto de vista financeiro. Será essencial para o desenvolvimento de questões de engenharia e legais. Também estamos a apostar no nosso festival anual, o Ephemerisle.»

Vários projectos falharam no passado devido à falta de cooperação dos países, pouco dispostos a abdicar do seu controlo político. Têm esse receio?

«Olhando para a lei internacional, parece que uma ilha artificial só pode ter independência total se estiver fora do limite de 370 quilómetros em relação à costa. Contudo, essa realidade é utópica, nesta altura, em termos económicos. Por isso, numa primeira fase, vamos apostar em soluções de compromisso com nações que estejam dispostas a algumas cedências.»

O Steasteading Institute pretende criar projectos auto-suficientes. Dessa forma, quais serão os vossos lucros a médio prazo?

«O nosso objectivo passa por recolher os frutos de um mundo com maior leque de escolhas. A liberdade individual gera progresso tecnológico, político e financeiro. A inovação só é possível quando há espaço para a experimentação»

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