sábado, 5 de junho de 2010

10 anos de Maisfutebol: momentos que preferia não ter vivido

Luís Mateus devolveu-me a emoção, sentimento repudiado no exercício do jornalismo. Em dia de aniversário, podemos ser protagonistas. Dar opinião, assumir a nossa identidade, desabafar, comemorar a edificação de um projecto sem paralelo no panorama nacional.

Os elogios ao Maisfutebol, a minha casa desde 2005, esperam. Antes, os momentos que preferia não ter vivido. Aqueles raros instantes em que repudiei a escolha de vida, a curiosidade e isenção exigidas ao jornalista.

Ainda ao serviço do extinto Comércio do Porto, estive no trágico V. Guimarães-Benfica de 2004. Na bancada de imprensa, enquanto Fehér caía do outro lado do relvado, anunciavam-se as primeiras lágrimas.

Segui para o hospital, contrariado, sem qualquer interesse em dar a notícia que nos esperava. Encostei-me a um canto, à porta das Urgências, procurando fugir ao anúncio indesejado.

Naquele momento, queria mentir, escrever que não, Fehér resistira. Chorei apenas ao chegar a casa, jornal fechado, dever cumprido.

A morte voltou a atormentar-me em 2009. Desta vez, sem aviso. A 10 de Novembro, o assessor de Hugo Almeida alerta-me para o falecimento de um guarda-redes alemão. A notícia era recente, cinco minutos apenas.

Carreguei no link enviado, rezando para não encontrar a foto do homem que entrevistara no ano anterior. Era mesmo ele: Robert Enke. O mesmo que sorrira, dialogara em português e falara sobre as saudades do Benfica, durante o Europeu de 2008.

Recuando no tempo, todas as imagens positivas da cobertura do Euro2008, a minha primeira experiência do género, os golos de Portugal, as paisagens inesquecíveis de Suíça e Áustria, os adeptos, tudo se desvanece quando recordo aquele curto diálogo com Enke.

«Robert Enke ist tot». Manchete do Bild, com fundo negro. Não queria acreditar. Durante um, dois minutos, guardei silêncio. Depois, dei mais uma notícia indesejada, evitando os contornos anunciados posteriormente. Recordei apenas aquele sorriso, um ano antes, já escondendo a agonia interior.

As notícias sem papel

As despedidas precoces de Féher e Enke marcam o meu percurso jornalístico. Muito mais que as agressões cobardes, em 2006, quando adeptos acreditaram que a ida de Jesualdo Ferreira para o F.C. Porto era pura invenção jornalística.

Tudo o mais é glorioso. Acompanhando o Maisfutebol por fora, imaginei uma equipa de meia centena de almas, inúmeros recursos para trilhar um caminho desconhecido na rede. Para mim, jornal era papel.

Agora, cinco anos após a entrada no projecto, agradeço a falta de amarras. Nesta casa, sustentada por dezena e meia de irrequietos criativos, não há espaços para preencher, recados de dirigentes em forma de notícia, projectos de transferências transformados em apresentações precoces.

Com o afastamento deliberado de clubes e dirigentes, perdem-se algumas notícias. Tudo bem. Descobrem-se histórias interessantes, vídeos de bradar aos céus, relatos incríveis de um futebol que não pára de nos surpreender.

Não foi fácil. O caminho foi longo, sinuoso, sempre no limite do risco. O Maisfutebol completa dez anos, apanhei este comboio há cinco. Quem iniciou a marcha, deve encher-se de orgulho por ter criado uma marca, um estilo, uma forma alegre de olhar para o desporto.

Eu aprendi a fazer o mesmo, a procurar a cor entre o cinzentismo, a criar em vez de copiar, a acreditar na beleza do futebol que teima em ser negligenciada.

No fundo, a acreditar em si, leitor, na sua capacidade para dizer BASTA às politiquices e devolver o jogo aos seus verdadeiros donos: os jogadores.